terça-feira, 8 de janeiro de 2013

feliz aniversário


                                                                                         
     * baseado em fatos reais
tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu
a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu...

a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino prá lá ...(chico buarque)


o aniversário dele é no dia 13. não que isso tenha importância, mas tem gente maluca que acha que 13 é um número de azar. pra ele não. sorte, diz sempre. e naquele dia, como em todos os outros, acordou cedo para trabalhar. não quis acreditar quando o relógio quase explodiu de tanto tocar as seis horas da madrugada.  ainda sonhava um sonho gostoso onde andava de pés descalços na praia. abriu os olhos remelentos. a boca seca.  pegou todas as forças que tinha no corpo e levantou da cama.
foi até o banheiro sem acender as luzes. queria manter o silêncio conquistado depois do alarme do despertador. as crianças dormiam no quarto ao lado e a mulher iria reclamar até o outro dia se fosse acordada antes da hora. pé ante pé atravessou o corredor. a casa simples, poucos móveis, chão de cerâmica. ao abrir a porta do banheiro tropeçou no chinelo que ficou jogado ali na noite anterior.
– merda. praguejou enquanto pulava num pé só tentando amenizar a dor que sentia no dedinho.
a luz do banheiro era daquelas brancas que deixam a gente com cara de defunto. preferiu nem olhar o espelho. foi direto para o banho, que foi rápido.
enrolado na toalha foi até o guarda-roupa namorar o figurino do dia.
“que dia é hoje?”, se perguntava. “quinta. 13. dia de reunião no almoxarifado. terno cinza”.
pegou o tal terno esmeradamente mal passado. entre as virtudes da esposa não estava passar bem uma roupa.
o terno amarrotado e surrado pouco importava para ele. “o importante é ter o emprego, que se dane o terno barato”, dizia a si mesmo. batia o ponto num escritório de contabilidade. trabalho chato, cansativo, tedioso. comandava a equipe de despachantes.
terno ajustado, cabelo penteado, sapatos apertados. saiu de casa para mais um dia de luta. mal humorado, sem ânimo, achando tudo cinza e sem graça.
antes de pegar o ônibus para o escritório, dava uma parada na padaria para tomar o pingado com pão.
– seu antônio, bom dia, aquele pingado, pedia ele ao balconista suado.
– e o nosso time, hein? puxava assunto. sempre o mesmo enquanto bebia o café requentado e mastigava o pão dormido com manteiga. isso era o de costume. mas, naquele dia a padaria não estava em seu caminho. 
aliás, o caminho não estava ali. tudo parecia diferente. as cores estavam mais vivas, não havia fumaça no ar, nem barulho. as pessoas sorriam e estava tudo limpo.
– o que será que está acontecendo? pensou em voz alta.
olhava incrédulo ao redor e quanto mais andava mais achava estranho. no chão, pedras brilhantes davam um toque especial à rua que não tinha fim. era como se o mundo estivesse mergulhado numa lata de tinta. uma não, várias. a grama era mais verde, as árvores coloridas, as casas desenhadas a mão.
novamente tropeçou. desta vez numa pedra em frente ao que se pode  chamar de pastelaria. lá dentro um simpático japonês sorria para ele. o dedinho machucado no tropeço de mais cedo nem deu sinal de vida.
entrou. se sentia num sonho. todos os tipos de comidas, das mais apetitosas, estavam na vitrine. de salgadinhos a bolos de aniversário. o corredor que aparentava ser pequeno crescia à medida que ele se dirigia ao balcão.
–bem-vindo e palabéns pelo seu anivesálio, disse o japonês com sotaque japonês. 
– é...obrigado. meu aniversário? o senhor pode me explicar o que está acontecendo?
– sim, anivesálio do senhor e do japa da pastelaria também, explicou o “japa” apontando para ele mesmo.
– espera ai, hoje é dia...sim, dia 13, tem razão, meu aniversário. é do senhor também?
o japonês sorriu mais ainda e balançou a cabeça querendo dizer que sim. mandou ele escolher o que quisesse da loja. seria um presente.
ainda descrente começou a andar pelas prateleiras encantado com tanta variedade. no fundo no fundo, ele queria apenas um doce. simples, nada especial. o japa entregou a ele o tal doce, mais uma porção de sorrisos e novamente deu os parabéns.
ele mordeu o doce. veio junto com o sabor mais saboroso do mundo um cheiro inebriante. e ele podia jurar que ouvia música enquanto mastigava aquela maravilha. sentiu-se revigorado, jovem, animado, de bem com a vida.
“melhor presente de aniversário dos últimos tempos”, decretou. o japonês apenas sorria.
ao sair da loja percebeu que o mundo voltava ao normal. lá estava a fumaça, o barulho, a sujeira.  olhou o relógio e se assustou: não estava atrasado. foi como se o tempo não tivesse passado. pegou o ônibus e foi para o escritório.
o dia foi mais um daqueles pesados. tanto trabalho não permitiu ele pensar em mais nada, muito menos no doce do japonês. mas estranhamente se sentia leve, livre de carregar as mazelas do mundo nas costas.
voltou para casa. o caminho de volta era sempre cansativo, mas naquele dia não. ele estava especialmente feliz. mal tocou no jantar, ainda sentia o doce na boca. foi dormir. sonhou novamente com a praia, mas dessa vez tinha uma casinha pequena ali no canto e um japonês dentro, sorrindo pra ele.
acordou assustado, mas ainda carregado de uma alegria inexplicável. lembrou do sonho e do doce. o despertador tocava em alto e bom som. como todas as manhãs, levantou e foi até o banheiro. tropeçou no chinelo. machucou o dedinho...”espera ai, que dia é hoje?”. e estava lá no calendário: dia 13, quinta-feira.
vestiu o terno cinza e saiu correndo em direção ao ponto de ônibus. a pastelaria não estava lá, apenas a padaria engordurada de sempre onde tomava o café requentado. no outro lado da rua um japonês sorria para ele.


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